Wednesday, May 11, 2011

Quem conta, um conto

Faz algum tempo que aprendi a contar o tempo. Contar como um conto, curtas estórias, cortar em pedaços pequenos; contar batidas recorrentes do relógio, estranhos sons de tic tac e cooco, como naquele antigo relógio que uma tia, já morta, tinha em sua parede: era velho, de marcenaria, mas funcionava pontualmente com o passarinho indo e vindo na hora marcada. E nem sei que fim teve aquele antigo relógio. A relíquia da velha megera. Eu mesmo nunca procurei saber. Estranho saber contar o tempo sem nunca sequer ter sido um bom aluno de matemática. Demorei inclusive para aprender a ler as horas em relógios analógicos. Até hoje tenho um método próprio. Contas como se estivesse multiplicando. Mas hoje, contos outros tempos. Conto, em tom professoral, não para qualquer um, mas para mim. Um trabalho precisamente solitário esse: contar os tempos, contar os dias, os meses, as horas, datas, tudo atrelado às memórias delicadas ou pesadas, mas sempre atrelados a um passar do tempo que não chega à reta final. Ao contrário, parece que nunca chego a alcançá-lo. Tempo ocioso esse. Tempo difícil. Não que seja apenas de uma vida, o que me faz ser um pouco mais velho do que realmente sou. Eu li muito Bergson na universidade para entender os espaços da memória comum e entender como é possível nunca existir o agora. E tudo parece perdido dentro de uma imensidão de lacunas e espaços habitados, quase como uma bolha de sabão, cheia de ar, presa por aquela mistura química, subindo, subindo, subindo até perder a força e explodir no ar sem deixar rastros. Memórias curtas de eventos.

Exercício de muitos e muitos anos, práticas forçadas. Contar o tempo nunca é fácil. É preciso enganar a si mesmo, acreditando que aquilo que passou não existe mais e que o agora é o presente. Nem isso se pode afirmar. Passado é passado, presente é presente. Pensando bem, esses tempos só existem para dar rumo ao futuro ou à marcha da mortalidade. Esses tempos construídos e mecânicos, como os meus tempos que conto de hora em hora. Desejo insano esse. Eu mesmo acho que nem posso afirmar que sei contar tempos, sei contar estórias de tempos que foram, vão e estão ainda aqui, perdurados na janela do anseio, na janela espreitando novos tempos para serem contados. E mesmo agora, perdendo o fio da meada, me esqueci de qual tempo estou falando, ou mesmo se falei de algum tempo específico. É essa memória dissolvida, melancólica que não deixa nada escapar. A memória que reconstrói todos os tempos, seja ele morto ou vivo e real como agora.

De tempos em tempos, me recordo. Talvez para reviver, ou quem sabe para nunca esquecer todos os tempos que já vivi, ou simplesmente para lembrar que sou feito de todos os tempos.

Thursday, April 28, 2011

Bedtime storie

Eu ligo o rádio, tentando tapear o silêncio dos outros quartos, só pra dizer:

- Não fui sempre assim. A gente muda com o tempo. (Things haven't been the same since you came into my life ). Estranho isso. Estranho como posso ser muitos em apenas um só. Eu chego a me perder nesse estranho e indiferente mundo que eu criei (You found a way to touch my soul and I'm never ever ever gonna let it go). Translúcido, incônico e pouco sentimental. Mas eu sou, como você pode perceber...Faz tempo que eu não deixo rastros. Imagina um revólver disparando uma bala. É quase isso. Metáforas, metonímeas, um contrato de fogo que tenho com o meu corpo. Eu já deitei tantas vezes pensando em você. Eu só queria dizer o quanto tudo isso tem significado (Happiness lies in your own hand It took me much too long to understand) e pode não parecer, mas eu to até agora gozando, sentindo cada gosto do seu corpo (How it could be until you shared your secret with me...) como se você ainda estivesse me fodendo; o gosto da sua perna é diferente da sua barriga (You gave me back the paradise that I thought I lost for good ). A sua barriga tem um gosto diferente dos seus braços, mas nada se compara ao sabor dos seus dedos, por isso eu sempre peço por eles em mim ou me fazendo calar a boca por alguns instantes enquanto delicadamente deixo que você me vire de lado (You helped me find the reasons why it took me by surprise that you understood ). Mas eu nunca sei quando devo deixar tudo isso sair. Palavras, obscenidades. Deixar vulnerável aquilo que eu demorei tanto tempo para esconder (Until I learned to love myself i was never ever lovin' anybody else). Você sabe como é isso! Vem de repente, de tanta porrada na cabeça. Um dia você acorda e percebe que perdeu a doçura, o gosto pelo outro e a ingenuidade. É tudo tão frágil. Eu sou frágil, quase oco. Deve ser por isso que a cada beijo, você tira um pedaço dessa armadura. (Happiness lies in your own hand It took me much too long to understand) A cada trepa você retira de mim um pedaço da...Sim, o gosto da sua boca é diferente. Algo parecido com leite adocicado. Gosto de quem escova sempre os dentes. Gosto de língua limpa. As vezes, chego em casa e ainda estou com o cheiro, o seu cheiro, não o cheiro de perfumes amadeirados, mas o seu cheiro. Suor, cheiro de pele, cheiro de foda, cheiro de porra misturados ao meu perfume doce e enjoativo (Something's comin' over mmm-mmm, something's comin' over). Chego ardendo e mal consigo me segurar nas pernas lembrando as várias vezes em que você se enfiou em mim. Sim, você pode ser selvagem as vezes e eu nem gosto que me tratem bem durante o sexo. (My baby's got a secret) Não, não precisa de muito. Basta fazer o que você faz ( something's comin' over me ). Me deitar como você me deita, ordenando onde vou e onde não vou e me dizendo a hora que eu posso gemer e quando devo calar a boca. Eu acho que todo mundo tem um segredo. Todo mundo guarda dentro de si um segredo. (something's comin' over me) O seu? (My baby's got a secret) Não sei. Não sei mesmo. Talvez seja querer, me querer sempre dentro de você, sem culpa, sem dor, sem amor. Sò em segredo. (My baby's got a secret for me...)

Desligo o rádio para ouvir o seu beijo nas minhas costas.

Thursday, April 14, 2011

Guarda-sol

- As semelhanças se dividem.

Prefiro os outros tipos de paz. Estou me dando férias de tantas desavenças; perder-me entre o passado e o presente, talvez tentando conciliar os erros com os futuros (esperados) acertos. Sem viagens, destinos ensolarados ou monumentos culturais. É o simples prazer de estar sendo, e como diria, ter sido.

- As semelhanças que se encontram.

Poderia traçar um estirão de caminhada rumo a coisas que eu nem bem sei como seriam. Ou tracejar com giz, uma linha que me levasse àquele lugar tão distante do que sou agora. Seria, de fato, um acerto de contas e ao final eu me pintaria como a Revolução de Delacroix. Por hora, desisti de quase tudo. Guardei uma gota de esperança, risadas intensas e deixei dois livros no criado-mudo como leitura obrigatória.

- Somos a anti semelhança.

Quando, nesse descanso, poderia eu ter encontrado forma de fazer as pazes comigo? Sim, por vezes é comum quebrar-se em vários, como um graveto já velho e ressaco, sem forças para continuar erguendo-se e defendendo-se do vento. Nada perdido. Entender-se entre alguns braços fortes, beijos desejados e na cor esverdeada "do seu olho". Achar-me assim, estirado em algum lugar quase imaculado. Realidade imposta para tudo:

"nesse mais intenso esquecimento, encontro-me dentro do seu corpo. Esse prazer que é sentir o gosto da sua boca, agarrando seu cabelo por trás cortado a meu pedido. Você calando-me nas dores do seu movimento contra mim e para mim. A peça encaixada. Sou teu parafuso. Enrosco-me em você feito cobra atípica e sem veneno, esperando pelo seu soco mundano. Lá fora, o tempo que se foda, porque aqui, dentro de tantas alcovas, só você sabe como fazer da conversa, o meu corpo tremer e tremer e tremer. Aqui, nas minhas férias, você que sente como eu o prazer de uma boa foda"

E nem seriam férias se não fosse por aquilo que se junta ao prazer, ao desgosto numa equação de irracionalidades experimentais. Sentir-se oco, sem os aborrecimentos do dia-a-dia. Uma espécie de selvageria. E sim, você me dá o que em anos não me deram. Não só a você devo essa tranqüilidade imoral. Devo a vários. Mas eu insisto em te encontrar, meio que na calada da noite, na minha casa deserta, sem os cheiros da velharia, justamente aqui, onde jaz o que foi um grande amor, ou vários amores dissolvidos por músicas, estraçalhados junto com as pilhas de livros e os quadros falsificados. E quando dou por mim, estou saboreando o roxo na minha perna e redesenhando a marca dos seus dentes no meu peito. E nem parece que somos duas galáxias distantes. Guardarei assim esses instantes, curtos e saborosos.

- Mas somos a semelhança que se encontra, se dividem, se misturam, formando uma célula pequena em transição.

- Ou somos apenas uma bela foda. Bem dada.

Wednesday, February 16, 2011

Novo

As viradas de ano são engraçadas. Tudo aquilo que deveria ter um gosto de simplicidade, se transformando em grandes questões metafísicas. Ou talvez seja apenas eu que espero de mim e do mundo, execessos e excessos. Não dá pra levar nada a sério. O ano que começa já cansado, os dias arrastados pela mesmice e o que fazer quando tudo o que resta é o final de semana? A espera pelo depósito do salário, pequenos momentos de emoção, noites e noites e só mesmo as amizades para salvar a chatice que é mais um novo ano. Difiícl encontrar o paradeiro daquilo que se programou, daquilo que se tentou fazer e não deu certo. E mesmo as promessas pagãs não foram cumpridas. Junto com o ano, começar a contagem regressiva para os trinta, o peso dos trinta. Nas costas, ainda os antigos problemas, becos sem saída, velhos hábitos e toda aquela porcaria que por vezes não conseguimos nos desvenciliar. Vai ser difícil fazer trinta e ver que pouco daquilo que se sonhou foi realmente conquistado. As vezes a melhor maneira de realizar um sonho é acordar, ainda que o lugar onde se esteja sonhando não é o mesmo que se planejou. O príncipe encantado, que nem era tão encantado assim não veio, os poemas se perderam em formatações, falas e mais falas esquecidas. Que chatice é começar um novo ano. Nada mais parece tão simples. A urgência de executar, às pressas, os deveres e direitos. Ser um bom cidadão, ser uma pessoa melhor, colher mais frutos, reler alguns livros importantes, tentar e tentar. E não cessa aquela antiga preguiça da vida, mesmo quando tudo parece já ter acontecido, de bom e ruim, o melhor parece ser aquele sonho distante, um sonho onde tudo fosse diferente do que foi; dores apagadas, uma outra história, outra infância, outro tipo de sofrimento e novas histórias de almoços de domingo com a família. Mas já eu já havia sido alertado de que aquilo que não dói no início, dói no fim. Não, não é pessimismo, muito menos pretensão de ser um niilista. Realidade e mais realidade. Uma dureza capaz de esmagar a simplicidade das coisas. Cada ano parece ter o seu roteiro. Para este, esqueci de colocar as frases, ou talvez nem tenha querido descobrí-las nessa antecedência apressada. Mas a vida cobra, com direito a papel timbrado e aviso telefônico. O que resta é encarar a chatice, a mesmice, o ordinário de cada dia e viver.
Quem sabe um dia, os dias, o dia, passe devegar, realizados naquilo que conquistamos aos poucos, sementes e alegrias. Talvez, talvez, um dia isso tudo deixe de ser chato, fazer trinta seja bastante alegre e aos quarenta eu leia isso e dê risada. Ou o avesso.

Tuesday, November 16, 2010

Pessoa na pessoa

Ainda não me acostumei a perder sonhos.
Deixá-los ir pelo ar corrosivo do inverno fora de hora. Sonhar um sonho é perder outro. Largo-me na cama dura a fim de perder-me em pensamentos. Recorro à lentidão dos vapores pelo mar - a vida na orla, a lembrança do resto de família. Esse costume quase diário de criar sonhos, inventá-los na meia hora do dia e deixá-lo na pouca duração da imaginação. Poucas horas, pequenas vontades de tudo, o mundo lá fora esperando uma breve movimentação. Não me acostumei a deixar de sonhar. Pelos mundos que crio, quantas vidas que ignoro, que me ignoram! A continuidade de tudo o que já passei, como se eu mesmo desse uma consciência diferente para a vida que o destino não cansa de impor. As horas, as horas do dia sinistras e tão alegres, essa contradição de dizer entendo e não entender. A tentativa do esquecimento. Talvez devesse ser um poema, um poema de magia, bruxas e fadas, essa ressonância diária do que devo ser e não sou, do que sou e não deveria ser. Vou a procura dos livros, dos poemas, de Pessoa e de Virginia. Entender a si próprio é um instrumento, afiado, trabalhoso, quase uma epopéia, mas também cansativo como todos os trabalhos físicos. Ah, meu poetas favoritos! Companheiros da noite, amigos do peito, famílias etéreas. São minhas as palavras estranhas e de mim vem sempre a sede do saber de tudo, sobre todas as coisas. Finjo no espirito um conhecimento do mundo que não tenho, finjo beijos demorados, finjo ser eu mesmo. Ah, meus escritores companheiros. Minha vida foi-se fazendo em vocês. Cresci meio sem eira nem beira, acreditando apenas do que me diziam os livros - uma espécie de carência, abandono e desespero por querer entender que condição é esta que me impuseram! Gozo na esperança das primeira páginas. Sonho mais lindo de sonhar. Nada tão onírico na vida é possível do que deitar-se sobre um livro e ter a vida lida em palavras organizadas. Entendo tudo como sou, vagabundo, desterrado dentro de si próprio, mas não, não se trata se tristezas e lamentos, nada disso. A realidade, a boa realidade, é que isso se fez em mim criação; criei-me nessa desilusão de não saber quem sou, sabendo exatamente como devo ser. Todas, todas as minhas paixões, as que não se concretizaram, foram apenas um estremecimento. Trago meus poetas, suas lindas rimas, dentro do peito, aceso como uma ponta de cigarro. Há tempos me transformo em tudo o que aprendi, em tudo o que vivi e em tudo que um dia me transformou. A vida que me deram, que escolhi, que deixei existir. Ah, meu poetas, vocês me criaram no berço de palavras, no berço de bocas sujas. E nem vagabundo escolhi ser. Talvez nem seja. Tenho o espirito boemio, mas a vida rendida aos rendimentos contábeis. Sim, vendi-me para o mundo, mas levo todo comigo, nos sonhos eternos. Por isso, não me acostumei a perder sonhos. Sou feito disso que me ensinaram: sonhar também é viver. Nunca, propriamente, reparei se na verdade sinto o que sinto. Eu serei tal qual pareço em mim? Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir, que me extravio às vezes ao sair.
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, nem sei bem se sou quem em mim sente. Para mim, só o costume de sonhar, sonhar, e deixar-me sonhar.

Thursday, November 11, 2010

Pergunte ao Pó

É preciso uma ode às coisas que perdemos pelo caminho.
Os restos deixados passo-a-passo. Distâncias intermináveis, aquelas que se fazem pela implosão da própria vida. Algo que se quebra, como se pudéssemos gravar, uma câmera lenta, aquilo indo para o chão -milhões de pedaços. Por isso, é preciso uma ode. Àquilo que se perdeu, que se desfez. Estilhaços, pequenos, milimetricos pedaços de tudo. Sujeira, pó, e o contrato infeliz da vida com a coerência. Também é preciso defender-se do estranho sentido que cada palavra tem; cada um desses sons, desses aprendizados com a linguagem. No fundo, somos feitos de palavras. Definimo-nos pela linguagem.

Na mesma sentença, entre o carinho misturado à esperança de nunca estar sozinho, vem as palavras de atuação. Atuação sincera, sem jogos, sem dados, sem peões ou rainhas. Disso, se pode, pouco a pouco sorrir ao ver os antigos se desfazerem em matéria podre. Rir daquilo que se foi, do perdido e do que não era possível. Adiante-se para a frente. Esteja alerta e sempre em prontidão. Deixe sempre o relógio ajustado na hora certa. Escudo, espada e um pé a frente. Abra a porta com cuidado do , pois aqueles que entram demasiadamente rápido são os mais furtivos. Lições de vida. É preciso fazer uma ode a isso tudo: ao que foi, a certeza de que jamais voltará, a surpresa de ter tido coragem para se desfazer do imundo e do amoral. COnsidere-se feliz ao olhar para trás vendo o pó levantando ao vento, lento, quente, gigante. Ali está a sua sorte. A minha, a sua, a nossa sorte. A viagem longa, curta, alegre, jamais está atrás, mas sempre adiante. Um texto esperançoso, despretencioso de quem já soube jogar fora tantas vidas em troca de um pedaço de paz, de um pouco de sorte, de um pouco de amor. Uma ode àqueles que sobreviveram ao engano, ao lascivo e ao infortúnio. Uma ode àqueles que conheceram melhor o céu, depois de se livrarem do passado.
Uma ode.

Friday, October 15, 2010

Beco

- Você está sempre em busca; sempre querendo mais, seja pelos meios tradicionais, seja pela sua força de vontade em querer sempre a primeira gota de chuva.

Fosse pelo que entendemos ao longo da vida. Ensinamentos, rezas, joelhos no milho, afetos mendigados. A escolha é sempre pior do que a decisão. As leis tão duras pra quem pensa demais. Isso é um fato. Exercício difícil. Querer sempre mais páginas. Lembrar sempre que isso tudo não passa de um nada; o vazio que por vezes preenchemos com latas de cerveja, bitucas de cigarros, cartas rasgadas, amigos perdidos, amores esquecidos e ainda aquelas fotografias que disparam a imagem do passado no peito, ardendo, explodindo. E nunca cessamos a busca pela imortalidade. Na verdade, seria uma espécie de busca do vale encantando: buscar, pela eternidade, os pequenos pedaços de felicidade. Junta tudo e coloca no saco. Tá ai o seu viver. E vamos, passo a passo, levando a poeira, arrastando o coração numa longa estrada. Por todos os lados, os antigos rostos, as risadas de outrora, uma juventude que não se quer esquecer. E de aniversário em aniversário, comemoramos o fim e nunca o começo: fim de festa, fim de ano, fim de namoro, fim. A vida, talvez, seja esse final, encerramento de tudo o que se viveu. Ao menos, tenhamos a consciência do quanto se andou, do quanto se errou. Os acertos? Isso deixa pra depois. A preocupação deve ser outra. Pensar, logo, existir. Nunca mais acreditar nas baboseiras iluministas. O melhor mesmo é viver como NIetzsche. E na própria bestialidade, deixar existir felicidade. Os ignorantes, são felizes. Infelizes, somos nós. Isso responde a sua pergunta. Eu queria mesmo era sentir tudo isso no perdão. Levar pra frente só o que é bom. Rancor, mágoa, tristeza e desafetos são pesados demais. Me doem as costas. Seria melhor sentir a leveza, como você disse da gota de chuva. Esperar pouco. Esperar que nada aconteça e viver de surpresas, dia a dia. E toda essa velocidade, a correria cotidiana sem nem saber o porquê. Derrelição, como a Sra. D. Passeando pelos cantos tortos e esquecidos da casa. Eu cheguei a falar disso quando li o livro do Bachelard. O vazio, os cômodos da casa como cômodos do próprio corpo. Ou mesmo no texto do Deleuze em que ele fala do corpo sem órgãos. Queria mesmo era ser um sargento do sexo como Sade. Todas essas minhas experiências literárias e filosóficas sempre ressoam em saudade. Saudade do que li, do que senti, da experiência de ser perfurado por um texto, pouco a pouco, sentindo cada palavra como uma incisão na alma. O ápice do meu intelecto. Mas tudo isso se perdeu, como se perderam os cadernos da universidade. Mas ainda me lembro da professora Leila dizendo que jamais devemos escrever um texto na pureza da inspiração. Texto é trabalho, assim como a poesia. E eu mesmo tenho um estilo de quebrar as orações. Deixá-las pouco tempo do tempo. Assim, faço com tudo. Mas nem era essa a questão. Vamos deixar sempre em aberto. Veja! Essa minha vontade de responder dura pouco. Agora começou a chover. Você mesmo disse algo relacionado a chuva. Olhe pela janela. Talvez eu seja o primeiro pingo.

Tuesday, August 03, 2010

Me preencho na casa vazia. Os quartos tortos, amontoados em cima das mesas e cadeiras, o cheio de comida velha na geladeira e o piso gelado do banheiro. Me preencho na minima solidão do caminhar pela casa. Paredes revisitadas, livros expostos e medíocres obras de arte. A televisão sempre ligada, o alerta das janelas sem cortinas para o mundo exterior. Controlo as forças malignas que pairam do ar. Fantasmas reais, a privada quebrada. Vago pelo quarto. A cama com a sombra dos que já deitaram nela um dia e que hoje residem na memória - sem fotografia. Apago as luzes. Tudo ao meu jeito. A louça acumulada na pia, restos de comida transbordando pelas beiradas.
Deixo estar.
A sala inabitável.
Me preencho na casa vazia. Monstros terríveis, recortes de fotografias, lembranças e açucar espalhado. Aqueço os pés com meias sujas do caminhar, ligo o som, esqueço o mundo com um cigarro acesso e as janelas abertas. No quarto, a televisão ligada em algum programa sobre as imbecilidades do cotidiano. É raro gozar. Sexos mal acolhidos e sempre uma peça de roupa deixada para trás. No dia em que vocÊ foi, joguei tudo fora. Incinerador, quase que poético, idiota em queimar lembranças. E assim ficou. O quarto-verde melhor acomodado, o banheiro quebrado, a pia abarrotada de louça, o chão sujo e as cadeiras quebradas. Assim ficou. A casa me preenchendo o vazio e ali, naquele canto que restou, minha gota de felicidade crescendo. Dia a dia. Uma pequena, idiota, plantinha, preenchendo o pequeno vazio que ficou.

Wednesday, July 14, 2010

Primeira

A primeira vez a gente nunca esquece. É como um cheiro, preso na memória, perdurando no infinito. As mesmas sensações, as associações quase que fictícias, rostos, palavras e tudo o que se experimentou. NAada jamais será com antes. O primeiro tombo, vítima do descuido dos pés, a primeira grande doença, o primeiro livro e a dificuldade em terminá-lo, o primeiro pêlo do peito, beijos, trepas, o primeiro amor, a primeira separação, a primeira desilusão, o primeiro pé na bunda, a primeira viagem, o primeiro cigarro e a tontura que veio logo em seguida, a primeira gozada lá na infância e depois na vida adulta.
A primeira vez a gente nunca esquece. Quase que uma busca diária, vive-se sob o espectro do por vir; a novidade sempre esperada nos minutos da vida. O novo, o inédito parece sempre nos prender na chatice do cotidiano. A vida, sem o novo, sem a primeira vez parece perder o sentido. Pacata, vagarosa, monotona. Seria impossível viver do mesmo, ainda que ele seja o mesmo que a primeira vez. Não da pra reparar que na verdade é tudo uma repetição daquilo que já passou. O primeiro amor será reencontrado outras vezes e assim o primeiro grande show de rock, o primeiro baseado, a primeira trepa apaixonada...
O novo só existe pela nossa criação. Se quisermos, amanhã será um novo dia, ou não. Para mim, este texto é novo, mas já devo ter falado nisso inúmeras vezes. Não dessa forma, não desse jeito, mas certamente isso não é novidade. Trocadilhos à parte, a experiência é o que conta. A memória dos felizes em seus últimos instantes de vida é perceber que a vida foi cheia de primeira-vez. Até hoje me lembro do primeiro porre e mesmo tendo sido ruim na hora, hoje a memória me vem com um sentido de alegria.
A primeira vez a gente nunca esquece. A lição fica. A perdulária vontade do novo. A busca insaciável por tudo aquilo que nunca se viveu, até mesmo o que não foi bom.
É sempre igual. Como hoje, que pela primeira vez, pensei que nada disso faz sentido.

Friday, June 25, 2010

Pós

houve um tempo em que escrever, pintar palavras, era um mal necessário. Aos poucos tudo ia se acumulando, peça por peça, até transbordar num infinito espaço de caracteres específicos. Lia os poemas de Keats, devorava a beleza de seus poemas. Mas a distância fez perder o ritmo das coisas. Tudo do avesso com um sentido oposto. Troquei a cama, a cor da parede, aparelhos eletrônicos e tirei todos os livros e as estantes. Agora, esse espaço vazio, no anseio pelo novo. Ando mal do estômago, me entrego a lábios desconhecidos com uma frequência que não sei administrar. O celular toca, perco as ligações. Prefiro não atendê-las. Um refúgio. Conto as estrelas e torço para que os dias fiquem nublados e taciturnos. Voltei a ler Virginia e descobri novos caminhos em minhas leituras. Há duas semanas que estou gripado. Não diminui o ritmo. Se eu parar, temo que pensar somente nisso. Dói esquecer. A memória pesa, os olhos facilmente se perdem na paisagem e os sonhos são sempre...

A verdade é que o tempo constrói com esses tijolos, pouco a pouco, da dor à mágoa. A decepção que abre o caminho como um facão. Devolvi alguns livros para o quarto. Somente os favoritos. Ainda me faz falta. O tempo arrastado nas nuvens e nos casacos. Ainda faz falta. As palavras todas. As promessas.

Ainda dói. Nas delícias do novo, nos momento cada vez mais sorridentes, ainda dói, dói não lembrar mais como é o seu rosto.

Friday, May 28, 2010

Tudo ressoa. Uma constante de palavras, idéias, pensamentos, ditos. Dessa vez, nenhum não-dito. Do voo livre, a queda, tudo quase como uma vertigem. Eu me equilibrando com uma perna entre muralhas, picos e altas nuvens. Nada pior do que acordar de um sonho. Os olhos, lentamente se movimentando, o pesar do sol entrando novamente, mais um dia, pela janela. Um mundo desmoronando diante de tanta alegria, tanto amor. O mundo se formando em outros mundos, novos formatos, diferenças e pequenas peças que se encaixam. À tudo que se parte ao meio, despedaça. A vida, novamente, se desfazendo da gente. É como um corte, profundo, incisivo. Uma mistura de sangue e dor. Ali, bem no canto, meu coração parou por instantes. Meu peito, minha boca, minha saliva.
O coração, em pedaços.
Ninguém define ou entende dor maior do que ver partir algo que se ama. Tudo ressoa. A saudade, o amor que ficou, a perna se equilibrando para não se deixar cair por terra. O caminho livre. Se somar, se deixar somar, se deixar ir. Tudo isso preso num respiro.

Minuto a minuto.

Thursday, April 22, 2010

Tudo.

Tudo parece estranho. As mudanças inacabadas dos dias intermináveis. Aquela vontade de entender mais sobre políticas modernas e filosofia sofista. Tudo parece estranho quando se têm um tempo a frente. Tarefas e agendas empilhadas, livros e cartas devolvidos aos remetente. A saudade parece ser sempre um tempo paralelo. Lá vivem todos ainda presos nos momentos - pequenas bolhas de histórias. Mas eu não estarei sempre aqui. Escrevo da saudade, como se já tivesse partido, simples assim em primeira pessoa. Lembro de histórias que não vivemos ou de brincadeiras que não tivemos. O peso daquilo que fomos um dia e o peso daquilo que somos. Num futuro, talvez sejamos plumas, deterioradas pela vida e pelo distanciamento. No futuro, sejamos honestos e altruístas. Agora, tudo me parece estranho. Sem linha reta, sem verdade, somente aquele pneu furado e tudo parado no acostamento.

Tudo me parece estranho. Antigos pesadelos. Novos sonhos, carinho e tudo o que restou no canto do olho. Sejamos honestos: aqui ninguém mais está interessado no futuro. Um dia, talvez, eu não esteja mais aqui para contar histórias ou segurar o peso. Um dia é possível que existam outras formas de amor. Por enquanto só o peso do disfarce. Das nossas mentiras.

Monday, April 05, 2010

É preciso um sentido. É precido dar um sentido.
O contrário de tudo e o movimento das nossas manias. Mania de ser, mania de fazer, mania de prestar atenção as coisas que não existem. Do mesmo despertar, também é preciso que haja um sentido. Não basta mais abrir os olhos e ver que outro dia recomeçou. Mais além, nada disso faz sentido. O esgotamento das possibilidades, a fome por algo maior. Talvez seja disso mesmo que as coisas sejam feitas: uma espécie de sentido, de reviravolta, a novidade propriamente dita. E é preciso um sentido. Cortar as manias viciantes, daquelas conversas pelo telefone, das vozes ocultas em diálogos pouco objetivos. Um esconderijo perverso. Todos os jogos para satisfazer o prazer de viver consigo mesmo. Para isso, é preciso que haja um sentido.

Mas, ainda que não haja, as representações devem ser fora o mundo externo. Muita filosofia e pouca atitude. A realidade por si só não basta, é fato. É preciso que haja sempre um pouco de sonho, um pouco de imaginação para que o desespero fique sempre no canto do dia. É preciso que haja sentido nisso tudo. O mundo enquanto vontade de representação e desse mundo o que esperamos do dia-a-dia.

Aqui, o mundo sem razão alguma de existir. Tudo numa distância extrema. Por isso, dar o sentido, por isso pedir uma existência suprema. O vazio de não mais sentir nada, não experimentar a vida como ela deve ser experimentada. Pouca ilusão e muita dose de realidade.

Aqui, é preciso dar um sentido. Sabe-se lá como.

Friday, March 26, 2010

Eu descubro aos poucos, liçoes não aprendidas na infância. Um jeito peculiar de enxergar o mundo refletido pelo olhar alheio. Essa atenção bastarda que o mundo não me dava, os percalços, o mimo. Velhos hábitos, manias e dores que parecem sempre ter mais pressa em chegar. Ninguém gosta de confissões ou meias verdades. É dificil falar sobre aquilo que foi enterrado há muito tempo. Deve ser aquela velha história sobre cicatrizes. Esses machucados que só quem foi abatido, sabe o desprazer de ter a memória sempre cutucando o presente.

Mas tudo é uma medida quase imensurável. A verossimilhança cada vez mais distante, pedindo socorro e gritando aos quatro ventos. Mas as coisas não param. Ao contrário, elas têm uma velocidade maior que a do pensamento. Num piscar de olhos e tudo muda. As paixões, os vicios radicais e o pensamento pragmatica. Aquilo que nos move, enfim é aquilo que nos machuca. Mas toda descoberta leva tempo e precisam de um começo. Eu descubro aos poucos que muito além daquilo que eu enxergava, havia o embaçado. Reflexos de espelhos semelhantes ao que recordo de tempos em tempos. Mas a recordação também é árdua, lenta e trabalhosa. Se pudesse, esqueceria. Algo como um recomeço. Pra que tanto aprendizado?

É esse o grande mistério?

Wednesday, February 24, 2010

Hoje de manhã.

Tudo amanhecendo. Os carros descendo a rua. As luzes das janelas acendendo uma a uma. O Cheiro de café, barulhos de copos e pratos, choros, água escorrendo, pássaros ligeiros e um leve cheiro de vapor de água.
Da exaustão, da tentativa desesperada em se esquecer e ao lado mais escuro. Os dias correram naquela velocidade estranha de quem espera sentado. O tempo que se desfez em pequenos fragmentos de risadas, de olhares e formas de amor. Sim, o tempo requebrado, recortado em milhões de segundos. Assim, como nas letras de música, como nas vezes em que deitamos na cama e ali resgatamos promessas e deixamos uma fé para o futuro. Foi esse o tempo que você quebrou. Marteladas e estilhaços.
E tudo isso, na minha inconstância, na falta de vontade ou atitude. Tudo o que era para ser meu. Agora, tudo vai amanhecendo. A falta de coragem em continuar doando minha vida. Ao nada, ao desespero à calmaria de todas as manhãs.
Dormi por horas de ontem para hoje. Os olhos pesados, o corpo exausto de tudo, de pensar, de deter e de recolher pedaços da realidade. E agora, tudo vai amanhecendo aos poucos. Lembranças de ontem e saudades do amanhã.